Os RPGs sempre foram sinônimo de boas histórias, monstros e personagens únicos e de nos consumir horas a fio sem ver o tempo passar. O que antes começou com uma simplicidade extrema em Dragon Quest, em que você usava suas armas e magias para vencer os monstros, evoluir seu personagem e se preparar para a batalha final, agora concentra algumas das mecânicas mais complexas do mundo dos games, histórias chatas e repetitivas e uma sessão de repeteco que se estende por mais de 100 horas.

Foi-se o tempo da simplicidade e hoje temos mecânicas loucas que envolvem horas lendo todo tipo de tutorial, dicas e pitacos dos mais viciados pela internet. Tudo para aprender como evoluir seu personagem da maneira correta e não fazer a asneira de gastar um ponto valioso em uma habilidade não tão útil e acabar nunca aprendendo a magia suprema, necessária para vencer o último chefe e terminar o game, pondo todo seu esforço de mais de 100 horas de jogo por água abaixo. Isso sem falar na evolução de todo tipo de itens, fusões de cristais, monstros, relíquias, armas, escudos. Ufa… É, gastamos mais tempo tentando aprender a evoluir os personagens e não fazer besteira do que realmente nos divertindo.

Sério que você acha isso super divertido?

Exceto pela simplicidade charmosa de Dragon Quest, cada novo jogo lançado segue uma nova mecânica diferente e mais complexa que a anterior, simplesmente pela ideia do “Temos que apresentar algo novo”. Por que não apresentar histórias novas, que fujam dos clichês, ou que abordem temas diferentes? Por que não apresentar personagens mais marcantes do que aqueles que já estamos acostumados? Por que diabos jogar tudo isso para segundo plano e colocar algum sádico maníaco como responsável por inventar um novo sistema para lutas e evolução de personagens?

No que tange a história esta caiu na mesmice. Não criam nada diferente do padrão: Uma organização superpoderosa, ou um louco megalomaníaco, planeja reviver alguma força ou deus antigo e controla-lo para dominar o mundo. Cabe a um jovem, órfão e desacreditado, que viveu toda sua vida em uma vila, esquecida por Deus, se unir a uma trupe de pessoas de índole duvidosa e se rebelar contra essa organização/entidade maligna.

Chrono Trigger virou sinônimo de bom RPG. Bons tempos aqueles...

As histórias não variam muito, seguem sempre o mesmo padrão. Você já sabe como começa, como irá se desenrolar e, sem precisar se esforçar muito, consegue até adivinhar a cutscene final. Foi-se o tempo em que eramos agraciados com ideias realmente criativas e que rendiam um bom enredo como em Chrono Trigger, Dragon Quest V, Pokémon (torçam o nariz, mas na época o enredo era bem original), Valkyrie Profile (uma das maiores pérolas do JRPG) e Xenogears, que, em minha humilde opinião, apresenta uma das melhores histórias já criadas para um JRPG.

Os combates baseados em turno agora parecem inspirar repulsa. Boa parte dos JRPGs lançados estão seguindo a premissa dos combates em tempo real. E aqui sei que muita gente irá discordar, mas adoro as lutas por turnos. Adoro ter controle total sobre meus personagens, pensar cada ação, decidir com calma qual magia irei utilizar, que infeliz receberá a ira de minha espada e se é hora de usar itens ou fazer uma retirada estratégica. Os combates em tempo real são um verdadeiro show de esmaga botão, ações tomadas por instinto e pouco planejamento.

Claro que adicionar algumas novidades as lutas é muito bem vindo, e que, mais uma vez caímos na premissa do “Temos que apresentar algo novo”, mas pelo amor aos JRPGs, quero os combates por turno de volta. Sei que posso parecer antiquado e preso ao passado, mas sim, esse é meu lado nostálgico falando e tenho certeza que outros homens das cavernas como eu sentem falta dos combates por turnos.

Ao menos os gráficos não decepcionam

Mas temos que reconhecer que os JRPGs evoluíram em diversos aspectos. Os gráficos, por exemplo. Não há como negar que a qualidade que eles alcançaram é impressionante e cada vez mais os gráficos do jogo se igualam aos das cutscenes. O resultado é algo lindo e que em certos games é digno de aplausos pelo cuidado e perfeccionismo, típico dos japoneses.

A trilha sonora então, nem se fala. Quando o tempo das músicas no formato MIDI chegou ao fim, com o advento dos CDs, lá no reinado do Psone, a trilha sonora dos games sofreu uma evolução inacreditável. Deixamos de lado as músicas meio desajeitadas e de qualidade sofrível e os games passaram a receber trilhas sonoras orquestradas, com a mais alta qualidade. A imersão se tornou ainda maior e ficou mais fácil criar o clima pretendido àquela cena triste, ou preparar o jogador para toda a tensão que o aguarda na luta final. São evoluções muito bem vindas e que só ajudaram os JRPGs a se fortalecerem e conquistar ainda mais fãs.

Sinto informar que vivemos em uma era onde os gráficos e trilha sonora parecem importar mais aos jogadores e as empresas do que qualquer outro aspecto. Mas gráficos poderosos e músicas fabulosas e memoráveis, sozinhos, não sustentam um jogo. Os sistemas complexos, trabalhosos e, muitas vezes, estressantes, a história repleta de clichês e que não prende a atenção do jogador e a repetição constante, que faz você se sentir jogando a mesma parte do jogo umas 40 vezes, acabam tirando toda a diversão.

Dragon Quest VIII - Belos gráficos, trilha sonora incrível e um game fiel as origens

Muitos criticam e não entendem como Dragon Quest se tornou a série de JRPG favorita dos japoneses, e como uma série, tão antiquada e que, ao longo desses 20 anos de existência, apresentou poucas inovações, pode fazer o Japão inteiro parar a cada novo game lançado. Acontece que Dragon Quest é um sucesso porque não tenta ser aquilo que não é (nossa, prometo que tentei melhorar essa frase). A série se mantem fiel as raízes, fiel as raízes do JRPG, a qual a mesma ajudou a definir. E, apesar de apresentar algumas histórias batidas e simples demais, mantem a pureza do que há de melhor nos JRPGs fortalecendo ainda mais sua base de fãs.

A série Final Fantasy é um caso de inovação sem parcimônia e que, me perdoem os fãs, não deve ser seguido. A cada novo jogo era apresentado um sistema diferente para evoluir seus personagens. Começou com as Materia em FFVII, até então sem problema, e foi uma adição bem interessante. Depois a Square perdeu a linha e começou a enfiar mecânicas cada vez mais estranhas, como o Sphere Grid (FF X). O ápice foi em Final Fantasy XII, que apresentava uma batalha tão diferente da qual os fãs estavam acostumados que se tornou um verdadeiro divisor de águas. Hoje há os que ainda se mantem firme e fortes acompanhando a série, que parece cada vez mais se afastar das origens, e os que preferem relembrar as glórias do passado e as verdadeiras pérolas dos episódios anteriores.

É preciso arriscar para inovar. E não estou aqui defendendo que os JRPGs retrocedam e que voltemos todos a era primitiva dos games. O que quero é que não matem um dos estilos mais amados dos games. Inovações são muito bem vindas, contanto que bem pensadas e que não transformem os JRPGs no que são hoje: Algo deformado e fraco, que já rendeu ótimos frutos e que podia continuar sua vida de glória, mas que, infelizmente está a beira da morte. Jogar JRPG hoje não é se divertir, é labutar.

Leonardo Marinho é apaixonado por games, viciado em tecnologia e apreciador de todas as formas de entretenimento. Quando possível ele tenta ser gamer, manter o Deu Tilt atualizado e levar uma vida normal. Sua consciência ainda não foi afetada pelas intempéries do tempo e ele aproveita essa façanha para redigir textos coerentes para o Deu Tilt. Ele faz o que pode…

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