Todos temos histórias para contar. Sejam elas boas ou ruins, engraçadas ou tristes, fato é que ao longo da vida vivenciamos situações que sempre rendem alguns bons contos, dignos de participarem das rodas de conversa com os amigos.

Com os gamers não é diferente. Dentre uma jogatina ou outra, um headshot e um dragão morto, somos capazes de conseguir boas histórias, ao modo nerd de ser, é claro.

Ao longo de toda minha vida dedicada aos games adquiri um belo banco de dados de histórias e que agora decidi compartilhar com vocês nessas “Crônicas de uma vida gamer”.

Vamos começar com minha primeira experiência com os RPGs. Foi quando joguei a pior fantasia estelar já criada. Me lembro como se fosse ontem…

***

Eu devia ter lá pros meus cinco anos de idade. A geração 16-bit estava indo muito bem com games como Zelda: A link to the past, Sonic, Mario, Super Metroid, Bomberman e muitos outros que mantinham os garotos da minha idade dentro de casa por longas horas.

Era preciso escolher um console, porque seus pais não tinham condição de te comprar mais do que um. Então a gente aproveitava pra jogar os que não tinha na casa dos amigos. Cada um comprava um console diferente e nos finais de semana revezávamos pra ter certeza de que tínhamos aproveitado a maioria dos jogos que eram lançados. Eu optei pelo Mega Drive. Sonic me chamou bem mais atenção naquela época que o gorducho do Mario. E o fato de minha prima também possuir o console da Sega me atraiu pela oportunidade de barganhar e conseguir alguns cartuchos emprestados. Eram tempos difíceis, mas foram os melhores.

Oh, Yeah! Bons tempos aqueles...

Naquela época games pra mim eram apenas os de ação. Eu só enxergava os jogos de plataforma. Vez ou outra experimentava um jogo de corrida, luta ou futebol, mas não era tão bom com esses, o que me levava de volta ao conceito do “pule, bata e ande sempre para a direita”.

Numa ida ao shopping com meus pais passamos em uma loja que vendia games, e da qual já havia comprado Mega Bomberman e Toy Story – esse último uma grande decepção. Estava, como todo moleque da minha idade, babando por tudo na vitrine. Lembro que quase tinha um ataque do coração cada vez que entrava em uma loja dessas. Era o paraíso, e eu queria sempre comprar tudo, mas tive que me contentar com um cartucho apenas e levei uns 30 minutos escolhendo.

No final levei pra casa o Phantasy Star III: Generations of Doom. Meu primeiro RPG. O motivo, por mais imbecil que possa parecer, foi a pequena nota escrita na capa que dizia: “RPG totalmente em português”. Não sabia o que aquelas três letras significavam mas, dane-se, estava em português e eu nunca havia jogado um game assim antes. Preciso dizer mais alguma coisa? Foi o suficiente para me convencer. Passei pelo caixa e pronto, o game era meu. Nada mais me interessava naquele passeio e eu só pensava em ir pra casa jogar.

Lobo em pele de cordeiro

No carro, já voltando pra casa, decidi ler o manual, já que na época eles costumavam ser bem úteis – acho que ainda o são, mas adquirimos um nível tão alto de vício que já sabemos tudo sobre o jogo antes mesmo dele ser lançado. Naquele momento me senti um completo idiota. Não conseguia entender nada que aquele pequeno livrinho dizia a não ser a história. HP, MP, inimigos atacando em grupo, sua equipe, comprar equipamentos, status, nossa… Que língua era essa?

Cutuquei minha mãe no banco da frente e decidi perguntar o que aquilo tudo queria dizer. E vocês acham que ela conseguiu responder? Claro que não. Mas minha mãe, sempre com palavras muito sábias e doces escolheu bem o discurso e proferiu a frase que me acalmou naquele momento. Lembro até hoje daquelas palavras de sabedoria: “Quando você estiver jogando vai entendendo aos poucos, fica tranquilo”. Rapaz, aquilo foi efetivo. Me acalmei e continuei tentando decifrar aqueles pergaminhos.

Quando cheguei em casa enfiei o cartucho no console, peguei o controle e apertei o botão Power, o ritual inicial para o que sempre terminava em horas de jogatina. Depois da tela título já a surpresa: não é que o que eu estava lendo era realmente português? “Verificando dados salvos”. Nossa… “Nenhum dado encontrado. Deseja iniciar novo jogo?”. Uau… De alguma forma aquilo era tão fantástico que eu precisava mostrar pro resto do mundo. E mostrei, a família inteira viu o “joguinho em português”.

Um epílogo falava sobre uma grande guerra que quase destruiu por completo toda raça humana. Um novo acordo firmado entre todas as raças chamada Lei de Orakio estabeleceu a paz no mundo e todos passam a viver sobre o princípio “Não mate o que vive”. Muitos anos se passaram e agora um príncipe está prestes a se casar com uma mulher misteriosa que ele encontrou desmaiada próximo a praia. Em resumo era isso que o jogo contava no início. E estava tudo em português. Pela primeira vez na minha (até aquele momento) curta vida eu estava entendendo toda a história. Aquilo era sensacional.

Bacana. Agora eu preciso controlar o camarada. Ok, mas estou no meio de uma vila e todo mundo me dando os parabéns pelo meu casamento. Opa, a moça deve ser bem bonita. O castelo, onde fica o castelo? Ah, encontrei. Agora é só seguir em frente e…

Oh não, um monstro alado raptou minha futura esposa. O príncipe jura encontrá-la nem que tenha de se aventurar por terra, céu e mar (e descubro depois que ele vai mesmo). Seu pai acha tolice começar uma guerra agora e o tranca no calabouço, para que possa se acalmar. Legal, e agora? Tô preso nessa porcaria e nem sei o que fazer.


Tive meu primeiro contato com os baús. No jogo eram uns quadrados pretos bem mal feitos e os primeiros deles estavam dentro da cela em que você era trancafiado. Depois disso uma moça misteriosa te ajuda a fugir e você segue em uma jornada para encontrar sua amada. História linda, mas que já estava me deixando impaciente. Eu queria ver sangue, esmagar os inimigos, xingar por morrer diversas vezes na mesma fase e enfrentar os chefes gigantes e apelões. Eu, muito inocente, mal sabia o que estava por vir. Mas não tardou muito até descobrir.

Ao sair do castelo experimentei minha primeira batalha em um RPG. E dai em diante foi tudo muito triste. Aquilo não fazia sentido para mim. Os monstros estavam na minha frente e me batiam sem parar. Eu apanhava incontáveis vezes até conseguir reagir e ainda assim parecia não causar muitos danos àquelas criaturas. Aquilo era covardia, uma série de javalis enfurecidos me batendo sem razão aparente e eu era apenas um príncipe mimado que não sabia dar uns belos bofetões naqueles animais. Em alguns (poucos) minutos eu estava morto e voltava ao último hotel que tinha usado pra salvar meu progresso. Dava alguns passos pelos campos novamente e pronto, já estava morto outra vez. Que ridículo.

Decidi que devia estudar um pouco mais antes de me aventurar outra vez. Desliguei o console e me debrucei novamente sobre o manual, desta vez cheio de ódio e sede de vingança. E aos poucos fui entendendo como as batalhas funcionavam, o que significava o tal HP e por que diabos eu morria sempre que aqueles números se acabavam. Também entendi o que deveria fazer naquelas lojas lotadas de vendedores maliciosos e que sempre me perguntavam se eu estaria afim de comprar uma arma – uma pergunta nada sutil a um menino da minha idade e com a mente fértil que sempre tive.

O horror... Cada luta era uma incerteza e cedo ou tarde eu ia acabar perdendo...

Na minha próxima jogada, após um estudo malicioso do manual, já não morri tanto, e justamente quando achei que estava entendendo tudo eis que ganho um nível. O que isso significa? Meus status melhoraram, o que isso quer dizer? Quem são os Status? Vão me ajudar a sobreviver? Ganhei uma nova magia, mas onde está ela? Como eu uso? Decidi me preocupar com isso depois.

Encontrei Mieu, uma ciborg que depois de poucas frases aceitou me ajudar. Ela andava atrás de mim e não gostei nada da ideia, já não bastava ter sido trancado dentro de uma cela pelo próprio pai, agora vou ter alguém me seguindo? Andei um pouco e um luta surgiu – Mas que diabos está acontecendo? Não tinha nada alí, de onde saem esses monstros? São todos invisíveis? Como faço para desviar deles? Qual o sentido da vida? Muitas perguntas e poucas respostas.

A Mieu atacou. Nossa, então ela não vai ficar só perambulando por aí e dormindo nos quartos de hotéis comigo? Aquele rostinho bonito atacava, e era bem forte. Ganhamos uma carona em um barco, descobrimos outros mundos e novos aliados (mais gente me seguindo significava mais gente batendo nos monstros na hora de luta. Até que se tornou bem simples, né?) e aos poucos as dúvidas foram sendo respondidas e passei a entender melhor o estilo RPG.

E acha que eu não sei, esperto?

Mas tudo isso rendeu dias de frustração. Lembro que o cartucho ficou encostado por semanas na minha estante. Não tinha ânimo para jogá-lo novamente, era complicado demais pra mim naquela época. Depois de muito tempo, e uma teimosia sem igual, consegui dominar completamente o game, aprendi a barganhar armas e equipamentos, entendia os status, sabia organizar minha equipe e fazer bom uso de magias quando necessário. Mas ainda achava o jogo bem tosco e acabei deixando-o de lado.

Mais ou menos um ano depois desse episódio um amigo pediu o cartucho emprestado e se prontificou a se aventurar pelo caminho tortuoso. Ele era bem mais viciado que eu e lembro que um dia me chamou a sua casa para ver os progressos que já havia feito. Ele estava na terceira geração, jogando com os netos do tal príncipe que me rendeu dores de cabeça. Achei aquilo bacana, já que não tinha terminado nem a primeira geração do game. Mas pra mim Phantasy Star III já não merecia mais tanta atenção assim.

Felizmente não abandonei o gênero, apesar dessa experiência traumatizante. Mas lembro que eram difíceis de encontrar porque eu dependia muito das locadoras e elas não investiam nos RPGs, que são jogos longos e demandam mais tempo para serem terminados, então a locação não era uma boa escolha para quem quisesse aproveitar o estilo.

Mais tarde, quando já estava mais velho, experiente quanto aos games e contava com as informações da internet, descobri que aquele terceiro episódio foi o pior de toda a franquia Phantasy Star, o jogo decepcionou e ficou marcado como a ovelha negra da série. Mas quando soube disso já estava completamente apaixonado pelos RPGs. As histórias, as personagens, toda a ambientação medieval (ou futurista em alguns jogos) e a evolução das personagens, que prendia minha atenção mais do que tudo. É sensacional você começar com um Zé Ninguém que não sabe nem empunhar uma espada direito e no final da história se tornar um grande herói, usando magias supremas e armas lendárias.

Depois disso tudo conheci Dragon Quest. Se Phantasy Star III cuidou de minha iniciação capenga pelo mundo dos RPGs foi Dragon Quest que se encarregou de sarar as feridas e me viciar de vez nesse gênero. Em seguida veio Final Fantasy, Breath of Fire, Shining Force, Lufia, Tales of, e muitos outros.

Sempre acho graça quando penso que comecei a jogar RPGs justamente por um dos piores exemplos e hoje esse gênero se tornou meu favorito. A ironia também faz parte da vida…

Leonardo Marinho é apaixonado por games, viciado em tecnologia e apreciador de todas as formas de entretenimento. Quando possível ele tenta ser gamer, manter o Deu Tilt atualizado e levar uma vida normal. Sua consciência ainda não foi afetada pelas intempéries do tempo e ele aproveita essa façanha para redigir textos coerentes para o Deu Tilt. Ele faz o que pode…

Twitter YouTube